TSE ignora mensalão e aprova contabilidade do PT
Tribunal aprovou as contas de 2003 do diretório nacional e
analisa recomendação para aprovar as de 2004
Moraes Filho da redação do Manancial de
Carajás, com informações da Folha de São Paulo
|
Justiça |
O
TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou as contas de 2003 do diretório nacional
do PT e analisa uma recomendação para aprovar as de 2004, desprezando
irregularidades que o processo do mensalão apontou nas finanças do partido nos
dois anos.
Para
que isso ocorresse, o tribunal concentrou sua análise na contabilidade do
partido e deixou de lado mais de R$ 58 milhões movimentados fora dos seus
livros, cujo destino foi dissecado nas investigações que levaram à condenação
de vários ex-dirigentes petistas no julgamento do mensalão, no ano passado.
Apesar
da aprovação das contas, os processos seguem abertos porque o PT recorreu de
multas aplicadas por causa de outras irregularidades.
A
decisão que aprovou as contas de 2003 foi dada pela ministra Cármen Lúcia em
junho de 2010, no início da campanha presidencial daquele ano. O despacho foi
registrado semanas depois no Diário de Justiça eletrônico.
Ao
contrário do que é costume no TSE, não houve nesse caso nenhuma divulgação da
decisão para a imprensa.
A
ministra impôs, porém, multa de R$ 180 mil ao PT, por falhas na aplicação de
recursos do Fundo Partidário.
Os
partidos têm que prestar contas ao TSE uma vez por ano, entregando documentos
sobre sua contabilidade e comprovantes de seus gastos.
Em
caso de rejeição das contas, o TSE pode suspender os repasses do Fundo
Partidário, que é formado por dinheiro público e é hoje uma das maiores fontes
de recursos dos partidos políticos brasileiros. O PT recebeu R$ 53 milhões do
fundo em 2012.
O
esquema do mensalão funcionou do início de 2003 a junho de 2005. No julgamento
do ano passado, o Supremo Tribunal Federal concluiu que ele foi alimentado por
empréstimos bancários fraudulentos e recursos desviados do Banco do Brasil e da
Câmara dos Deputados.
Em
2003, o PT recebeu R$ 5,4 milhões dos bancos Rural e BMG. Em 2003 e 2004,
agências de propaganda do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o
operador do esquema, receberam R$ 58,2 milhões em empréstimos, mais R$ 77,8
milhões que teriam sido desviados do Banco do Brasil e da Câmara.
O
dinheiro foi distribuído por Valério a políticos indicados pelo tesoureiro do
PT, Delúbio Soares, mas ao analisar as contas do partido o TSE só considerou as
entradas e saídas da contabilidade do PT.
No
processo de 2004, uma nota da área técnica do tribunal deixou isso explícito:
“Não foram objeto de análise quaisquer movimentações de recursos não
declarados, apesar de constar na denúncia irregularidades financeiras,
importando inclusive em práticas de movimentações de recursos à margem da
contabilidade e das contas bancárias oficiais do partido, [...] bem como do
resultado da apuração da CPI dos Correios [que investigou o mensalão]“.
A
área técnica pediu a aprovação com ressalvas, após rever um parecer que havia
recomendado a rejeição das contas. O então ministro Hamilton Carvalhido
estabeleceu multa de R$ 424 mil por mau uso do Fundo Partidário. O PT recorreu
da multa.
No
processo de 2003, os técnicos também mudaram de opinião. Por três vezes,
pediram a rejeição das contas, mas depois aceitaram as explicações do partido
para algumas falhas e aprovaram as contas do PT com ressalvas.
O
resultado dos processos de 2003 e 2004 contrasta com o das contas de 2005.
Neste caso, os técnicos encarregados se valeram de investigações da Receita
Federal e da CPI dos Correios para propor a rejeição das contas do PT.
O
parecer foi aprovado pelo TSE no ano passado. A decisão, que levou à suspensão
dos repasses do Fundo Partidário para o PT por um mês, foi divulgada pelo
tribunal.
O
PP, um dos partidos que recebeu recursos do mensalão, também teve suas contas
de 2003 aprovadas. As contas do antigo PL, hoje PR, foram rejeitadas pelo
tribunal.
OUTRO LADO
A
presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, afirmou no despacho em que aprovou as
contas do diretório nacional do PT de 2003 que decidiu “nos termos sugeridos
pela Coordenadoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias” do tribunal.
No
voto, a ministra escreveu ainda que “compete ao relator decidir
monocraticamente pedidos dessa natureza, desde que haja informação da referida
coordenadoria pela aprovação das contas com ou sem ressalvas”.
“A
unidade técnica analisou a documentação apresentada pelo partido e, com base
nos princípios da relevância, materialidade e proporcionalidade, concluiu pela
aprovação, com ressalvas, da prestação de contas”, escreveu a ministra.
A
Folha encaminhou perguntas específicas sobre o processo à ministra e ao
tribunal, por meio da assessoria de comunicação do TSE, na última quinta à
noite, mas não obteve reposta.
O
tribunal afirmou que o prazo dado pelo jornal “foi impossível de ser
cumprido”.Segundo a assessoria do TSE, as perguntas da reportagem foram
reencaminhadas à ministra, mas não foi produzida uma resposta “por
impossibilidade das agendas”.
O
diretório nacional do PT disse que não iria se manifestar. Ao TSE, o partido
argumentou que a análise das contas partidárias tem que ser técnica e não
poderia trazer elementos exteriores à prestação de contas.
A
assessoria jurídica do PT afirmou ao tribunal que “não cabe à Justiça Eleitoral
fazer questionamentos sobre questões fiscais e tributárias cuja responsabilidade
pela análise e aplicação de eventuais sanções é da Receita”.
Procurado
pela Folha, o ex-ministro do TSE Hamilton Carvalhido não foi localizado. Ao
aplicar a multa no PT pelas contas de 2004, disse seguir recomendação da área
técnica do tribunal.
Ele
não chegou a deliberar sobre aprovação ou reprovação das contas.