Vale ameaça ir embora do
Pará para não pagar R$ 1,8 bilhão
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Enquanto a Vale bate recordes de
produção, graças à exploração da riqueza mineral de Carajás, o Pará não
consegue superar o atraso social de seu povo. A Vale alega que nada tem a ver
com nossos índices africanos de miséria e pobreza e que não é ela quem governa
o Estado. Portanto, o Estado que se vire para prover as necessidades de seus
cidadãos.
Não deixa a Vale de, em parte, ter
razão. Mas, convenhamos, esses argumentos para eximir-se de qualquer
responsabilidade por nossas mazelas soam como sofismas que beiram o cinismo.
Não fosse pelas isenções tributárias de que goza, desde que aqui pôs seus pés e
garras – e aí entram em cena governantes pusilânimes e atores políticos
canastrões, que sempre se esconderam atrás do discurso da geração de empregos e
aumento das exportações para camuflar vantagens obtidas por debaixo dos panos
junto à empresa, como o financiamento de campanhas eleitorais -, a Vale teria
muito mais a contribuir para melhorar os índices regionais de desenvolvimento
humano se pagasse o que deveria pagar, porque é devedora.
Ela não paga e não quer pagar. E o
Estado nada cobra porque nunca teve altivez para cobrar. Quedou-se ao poderio
econômico da multinacional, apequenando-se diante dela. Hoje, depois de perder
boa parte de suas riquezas para a Vale, o Pará corre o risco de perder sua
alma. Na mesa de negociações com o governo do PSDB, a Vale tufa o peito e
mostra o tamanho de sua arrogância, maior que a floresta amazônica.
O governador Simão Jatene, já no
terceiro mandato, acordou tarde para as isenções à Vale, mas felizmente
acordou, embora ainda meio sonolento. Nos quase 20 anos de governos tucanos, a
gigante dos minérios teve vida mansa e se lixou para os problemas regionais.
Ampliou seus negócios graças à exploração do ferro, cobre e níquel, ao mesmo
tempo em que atraiu para o entorno de seus projetos multidões de desesperados
atrás de uma oportunidade na vida.
Mão de obra barata para erguer prédios
e logo dispensada ao final dos trabalhos por falta de qualificação profissional
para habilitar-se ao melhores empregos oferecidos pela empresa. Além disso, a
concentração de problemas como homicídios, assaltos, tráfico de drogas,
prostituição, inclusive infantil, falta de escolas, postos de saúde, água
tratada e moradia fizeram explodir a violência nas vizinhanças das jazidas da
Vale.
Para a Vale, quem deve resolver isso é
o Estado. Segurança pública, educação, saúde, saneamento e habitação são
problemas da competência do governo. Simples, não é mesmo? A Vale tem seus
acionistas para cuidar e com eles dividir os lucros cada vez maiores.
No último dia 17, acabou o prazo, até
agora sem prorrogação, para a continuidade dos incentivos fiscais – que tem
como carro chefe o diferimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) -, dos quais a empresa usufruiu nos últimos 30 anos, embora com
uma dívida pendente. Jatene se diz disposto a rever esses incentivos, mas impõe
uma condição: a Vale teria que pagar R$ 1,8 bilhão.
Paga e teria, ainda, que tirar do
papel a siderúrgica Alpa, cujo terreno baldio foi inaugurado em 2010 pelo então
presidente Lula, que no palanque eleitoral estava em companhia de sua candidata
do peito, Dilma Rousseff. Seria, na prática, a verticalização da produção
mineral, em Marabá, um sonho hoje tido como pesadelo.
A Vale reluta em pagar a dívida, mas
admite fazê-lo. Até ressuscitar a Alpa, desde que Jatene não amarre um prazo.
Ou seja, a empresa decidiria como e quando construiria a Alpa. Trata-se de uma
chantagem, apimentada pela ameaça de fechar seus projetos no Estado e ir embora
do Pará. Ameaça no mínimo risível. Seria o mesmo que a Vale matasse, de morte
morrida, sua galinha dos ovos de ouro: os minérios que hoje explora com
inegável competência no subsolo paraense. Duvido que o faça.
Os executivos da empresa mandaram um
recado, via secretário de governo, Adnan Demachki, para Jatene: topam fazer o
acordo desde que o governo federal faça o derrocamento do Pedral do Lourenço,
uma obra de Santa Engrácia que se arrasta nos escaninhos políticos e
burocráticos de Brasília há mais de cinco anos e que permitiria a
navegabilidade, pela hidrovia Tocantins-Araguaia até o porto de Vila do Conde,
de seus minérios, além de outras commodities, como a soja.
Do alto de suas tamancas, a
multinacional grita alto na mesa de negociações, até faz ameaça de demitir
trabalhadores e outras formas de chantagem de quem se acostumou a receber
benesses estatais sem oferecer contrapartidas que sejam interessantes para o
Estado. Ela age como um Estado dentro do Estado. O Estado Corporativo contra o
Estado Federativo.
É uma guerra cujo vencedor deveria ser
o povo do Pará. Infelizmente, o povo sequer sabe que guerra é essa travada nos
bastidores do poder nestes dias finais de julho. Será o último saber. Como tem
sido há décadas. E nem será convidado para o banquete do acordo a ser
celebrado.
A ele, restarão as migalhas.
Por: Carlos Mendes
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